segunda-feira, maio 23, 2016

Resenha "Enquanto Agonizo" de William Faulkner publicado no Menos1 na estante

Participando como colaborador de Resenhas no lindo blog/site da jornalista Márcia Lira MENOS 1 NA ESTANTE comecei com o Enquanto Agonizo de William Faulkner. Entra no link aqui.


Por que ler um clássico?
Não é um simples clássico da literatura Norte-Americana, mas considerado um dos cem melhores romances em inglês do século XX, pelo júri especializado da editora Modern Library (atual Random House).
Enquanto Agonizo, de William Faulkner, é um dos seus romances (o 5º de dezessete) mais ousado na linguagem. Ele decidiu escrevê-lo em oito semanas “sem mudar uma palavra”.
E antes de começar a escrever disse a si mesmo: “Eu vou escrever um livro graças ao qual, em caso de necessidade, eu possa me manter ou cair se eu nunca tocar na tinta de novo”.
Foi publicado em 1930 (depois da Grande Crise de 29), onde vemos a decadência, os sofrimentos e as angústias de uma pobre família rural vivendo após a crise.
O pai disse que farinha e açúcar e café custam caro demais. […] Por que farinha e açúcar e café custam caro quando se é um garoto do campo?” (pag. 59).
Faulkner gostava de dizer do que se tratava o romance, sobre “o problema do coração humano em conflito consigo mesmo”.
O estilo
O leitor perceberá que a história da família Bundren é uma odisseia sem fim. Num primeiro momento, para quem não está habituado com o tipo de escrita de Faulkner, muito influenciado por James Joyce com o fluxo de consciência, pode achar meio confusa/hermética. Já que, o romance é composto pela voz/visão de cada personagem (15 ao todo).
Em alguns momentos a história pode parecer meio vaga a cada capítulo, fazendo o leitor voltar às páginas para reler e vê se não deixou passar algo. 
Como no capítulo de Cora (a vizinha), vemos a personagem falar do filho de Addie Bundren, o Jewel, que é muito mimado pela própria mãe e ganancioso ao ponto de pensar somente em si quando se trata de ganhar dinheiro, diferente dos irmãos que ficariam do lado da mãe até ela morrer:
[…] mas pensar que aquele rapaz, Jewel, vendo todos esses anos de abnegação […]Mr. Tull diz que Mrs. Bundren amava menos Jewel que os outros, mas eu é que sabia a verdade.Eu sabia que ela tinha uma queda por ele, porque via nele a mesma qualidade que a fazia suportar Anse Bundren quando Mr. Tull disse que ela deveria tê-lo envenenado – por três dólares, negando à mãe o beijo de despedida. (pag. 23).
E entendemos no capítulo de Dewey Dell (a irmã de Jewel também filha de Addie Bundren), ficamos ou pensamos com a pulga atrás da orelha sobre Jewel ser ou não filho de Anse Bundren. E de quem Jewel seria filho, algo a ser descoberto quase no fim do livro:
E Jewel não liga para nada, nem mesmo para a família, como se não fizesse parte dela.” (pag. 27).
No entanto, o leitor verá que a história é tão bem construída como um caleidoscópio, em que as vozes se juntam aos poucos, utilizando-se de flashbacks para relevar a história real. O que nos prende do começo ao fim. Querendo saber o final do enredo.

Anse Brunden (pai da família Bundren) personagem rabiscado por Wagner Pontes durante a leitura.
História
A história é sobre a saga/odisseia da pobre família Bundren, narrada pelos próprios membros da família e pelos vizinhos da região, com o objetivo principal de cumprir o desejo da matriarca dos Bundren, Addie, expressado ao marido Anse antes de morrer: ser enterrada em Jefferson, sua cidade natal, ao lado dos parentes mortos.
De início vemos que a mãe Addie Bundren está morrendo. A família já está pronta para a sua partida, e incomoda-se com o filho Cash preparando o caixão na frente da mãe moribunda, permeando a narrativa de pancadas e ruídos.
É por isso que ele está lá fora, embaixo da janela, martelando e serrando aquele maldito caixão. Onde ela pode vê-lo. Onde todo o ar que ela aspira está impregnado das marteladas e serradas onde ela pode vê-lo dizendo Veja. Veja que beleza o que estou fazendo para a senhora.” (pag. 17).
Mesmo sabendo que a saúde de Addie não está boa. Os filhos, Darl e Jewel, decidem fazer uma entrega para o vizinho, Vernon Tull, em troca de três dólares. Em alguns dias, Addie morre.
Cash com a habilidade de carpinteiro consegue terminar o caixão trabalhando dia e noite sem parar. Dewey Dell, filha de Addie e Anse, sofre por achar que está grávida.

Depois embarcamos numa carroça velha para enterrar Addie, seguindo a estrada sinuosa de uma montanha, pois a família Bundren vive isolada no alto, como se desejassem alguma liberdade que os empurrasse para fora ou além daquela miséria de lugar.
Por que não sou um garoto da cidade, pai? eu disse. Deus me fez. Eu não disse a Deus para me fazer no campo.” (pag. 59).
Deixando ir com o vento as angústias, sofrimentos ou maldição de cada membro da família por ter de cumprir juntos a promessa que o velho Anse Brunden fez a mulher (Addie) no leito de morte.
Personagens
De todos os personagens os que mais me chamaram à atenção na profundidade psicológica foram Darl e o caçula Vardaman. Seus olhares sobre os outros e a vida que levam é cheia de poesia. De uma beleza triste, mas por vezes alegre.
Como o mais belo capítulo do livro em que Vardaman nos diz quem a mãe dele realmente é.
Não darei spoilers, mas trata-se de apenas uma frase numa enorme página em branco.
E para mim como leitor, aconselho que corra logo a livraria ou supermercado mais próximo de sua casa e compre logo a única tradução disponível desse romance para livros de bolso da L&PM.
Porque nele você encontrará a melhor representação da condição humana pelo desejo de viver e alcançar os objetivos diante dos limites/percalços da vida.

Cinema
E também vale a pena conferir a adaptação cinematográfica (As I Lay Dying) dirigida por James Franco em 2013. Já que no livro há várias vozes, o filme de Franco precisou ser adaptado para uma voz (narrador).
É preciso assisti-lo como quem lê o livro, pois não serve como entretenimento, já que há monólogos e fluxos de consciência no filme.
Nota: 5/5
Editora: L&PM, 2009.
Páginas: 220
ISBN: 9788525418524

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